quinta-feira, 17 de junho de 2010

O amor e o Ser

O amor e o Ser

Encontrar-se com o amor é como voltar no tempo, é como viajar olhando para a as magníficas formas das nuvens quando somos crianças. É vivenciar a luz de Psyqué, ou pelo menos, voltar a se interessar por sua luminosidade marcante, ou seja, por aquilo que passamos a vida inteira escondendo de nós mesmos sem nos permitir descobrir e vivenciar pelo menos um pouquinho a grandiosidade que é o viver, o mundo, os seres.
Vivemos em buscas materiais enquanto ainda não estamos preparados para buscar a nós mesmos. Na tentativa de evitar a angústia, buscamos conhecer e nos apegar àquilo que podemos experienciar de forma rasa e insignificante: aos objetos, e não às pessoas, à si mesmo e ao mundo. Pior ainda, muitas vezes, criamos conosco e com os outros relações objetais: compramos, manipulamos, e depois, sem o mínimo esforço, jogamos fora, já que tudo pode ser descartável. Assim o aprendemos.
Mas, em nossa condição de Devir, podemos sempre rever nossos limites e possibilidades. Certa vez, Sônia Viegas disse em um de seus textos que, “a força criadora é o amor”, e então, entendi que é o amor que nos revela a nós mesmos e ao próximo, o amor, como dizem, nos torna “bobos” (e como é bom ser bobo!). O amor aparece como uma lente para aqueles que por algum motivo, já não conseguem ou não aprenderam a enxergar a beleza da vida.
O amor libertador e criador é ao mesmo tempo fonte de angústia, já que para amar o outro precisamos nos conhecer, nos aceitar e assim nos amar, percurso esse doloroso, pesado e angustiante, já que a maioria de nós entendeu que o melhor a se fazer diante do desconhecido é evitá-lo. Evitamos a nossa condição existencial, renunciamos ser quem somos para fingir viver melhor, e paradoxalmente “sofremos justamente por não ser”. Assim, enquanto escolhemos viver na alienação e na mentira, o que edificamos sobre nosso ser só nos possibilita novas impossibilidades, reduzindo pouco a pouco nossa liberdade. Só é livre aquele que sabe-se a si mesmo, já que não podemos escolher quais cores daremos à nossa vida se nos encontrarmos na escuridão.
Na busca da verdade do ser, porém, somos colocados frente ao absurdo: a infinitude de cores é apavorante, e nossa alma, por mais que queira colorir-se por todas elas, só consegue vislumbrar uma pequena parte dessa incrível diversidade, e assim, ela pode escolher colorir-se e colorir ao outro, com as mais belas cores, alcançando a aquarela subjetiva do amor. Pena que chegar ao amor de forma a atingir a reciprocidade seja um caminho traçado por poucos, a maioria de nós, parece conformar-se com o amor de mão-única: amar a mentira que inventou sobre si mesmo; amar a mentira que criou sobre o outro a partir de si mesmo; ou ainda desejar sempre ser amado.
Mas, como sabemos, é na dialética que vivemos, existimos e somos. Somos ao mesmo tempo amor e ódio, alegria e tristeza, vida e morte, um ser incompleto que busca completude na incompletude do outro, existimos a partir do mundo e o criamos, somos parte de um todo cuja soma das partes é maior que o todo, estamos sozinhos na presença do outro a partir do qual nos constituímos. Somos “meio animal e meio deus”, essa contradição interna e externa, esse ser que vive “condenado à liberdade”. Em suma, somos um ser que tem como uma das melhores saídas: angustiar-se, ainda que passemos a maior parte do tempo “nos ocupando da trivialidade do cotidiano”. 
Amar ou desejar? Desejo de amar ou de ser amado? Desejo de que afinal? Poderíamos ser levados a responder de modo psicanalítico: por não desejarmos a nós mesmos, o que nos restou, foi desejar o desejo do outro, (e do outro, e de mais outro) numa busca fatigante. Então, me pergunto com tristeza: e o amor, onde fica? Ainda nos interessamos por ele, ou será esse o nosso desejo? A resposta competirá a cada ser individualmente, aos significados que apreendeu de acordo com sua história, suas vivencias. Eu particularmente, vivo de acreditar no amor.
                                                        Flávia Braga.

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