sábado, 17 de julho de 2010

Do Amor ao Próximo

      
Vós andais muito solícitos em torno do próximo e o manifestais com belas palavras. Mas eu vos digo: vosso amor ao próximo é vosso mau amor por vós mesmos.
Fugis de vós em busca do próximo e gostaríeis de converter isso numa virtude. Mas eu firo à do dia vosso “desinteresse”.
O Tu é mais antigo que Eu. O Tu foi santificado, mas o Eu ainda não. Por isso o homem anda diligente atrás do próximo.
Acaso vos aconselho amar o próximo? Antes vos aconselho a fuga do “próximo” e o amor remoto!
Mais elevado que o amor ao próximo é o amor ao longínquo, ao que está por vir, acima ainda que o amor ao homem coloco o amor às coisas e aos fantasmas.
Esse fantasma que acorre a ti, meu irmão, é mais belo que tu. Por que não lhe dá tua carne e teus ossos? Mas tens medo dele e procura refúgio junto de teu próximo.
Não suportais a vós mesmos e não amais de modo suficiente. Desejaríeis seduzir o próximo por vosso amor e dourar-vos com seu erro.
Quisera que todos esses próximos e seus vizinhos se tornassem insuportáveis para vós. Assim teríeis de criar para vós mesmos vosso amigo e seu coração transbordante.
Chamais uma testemunha quando quereis falar bem de vós e logo que haveis induzido a falar bem da vossa pessoa, vós mesmos pensais bem de vossa pessoa.
Não só mente aquele que fala contra sua consciência, mas sobretudo aquele que fala contra sua inconsciência. E assim falais de vós no trato social, enganando o próximo e a vós mesmos.
Assim fala o louco: “O convívio com os homens estraga o caráter, sobretudo quando não se tem caráter.”
Um procura o próximo porque se procura a si mesmo; outro porque gostaria de se perder. Vossa malquerença por vós mesmos converte vossa solidão num cativeiro.
Os mais afastados são os que pagam vosso amor ao próximo e desde que vos reunis em cinco, um sexto é que vai morrer.
Também não gosto de vossas festas. Nelas encontrei demasiados comediantes e os próprios espectadores se comportam muitas vezes como comediantes.
Não vos ensino o próximo, mas o amigo. Que o amigo seja para vós a festa da terra e o pressentimento do super-homem.
Eu vos ensino o amigo e seu coração transbordante. Mas é preciso saber ser uma esponja quando se quer ser amado por corações transbordantes.
Eu vos ensino o amigo que leva em si um mundo completo, um invólucro do bem, o amigo criador que tem sempre um mundo concluído para oferecer.
E como para ele o mundo desenrolou seus anéis, assim para ele os enrola novamente, como se o bem fosse produzido pelo mal, os fins pelo acaso.
Que o futuro e o remoto sejam a causa de teu hoje. Em teu amigo ama o super-homem como tua origem.
Meus irmãos, eu não vos aconselho o amor ao próximo; aconselho-vos o amor ao longínquo.
           Assim falava Zaratustra.                   
                                                    (NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Sobre o Ser e o Tempo

Não é nada fácil negar e reelaborar conceitos e significados que nos são dados desde a idade mais tenra. Pensar ou compreender o Ser e o Tempo como fez Heidegger, sem dúvida não é uma tarefa fácil. A dificuldade, porém, não se situa apenas na compreensão em si, mas na angústia provocada por ela. Angústia esta, que muitas vezes fazemos questão de tentar esquecer, angústia de liberdade diante de uma temporalidade que vai além de um tempo cronológico, mas que nos faz refletir sobre a nossa caminhada de volta ao nada. Heidegger me chamou atenção para uma conceituação e visão do tempo que eu jamais vislumbrara até então: o tempo é ao mesmo tempo fonte de expansão vital e de angústia, assim, somos a coexistência da criação e sentido e da destruição e vazio. É o tempo que nos remete à morte e, consequentemente às possibilidades. É justamente a angústia que nos é colocada pela dimensão do desconhecido, e das diversas possibilidades, que na verdade nos impulsiona para a vida, ao passo que sabemos do nosso indubitável caminhar para a morte.
            “Analisar o tempo é chegar à estrutura concreta da subjetividade”. Desvendar a complexidade de uma frase como essa me causou a sensação de uma enorme descoberta. Apesar de sempre ter me interessado por temas existenciais, jamais havia pensado a subjetividade humana dessa maneira. “O tempo não é um dado da consciência, mas esta o constitui”, a consciência vai constituindo o tempo na medida em que caminha livremente de um passado, ou de um futuro para o presente. O vício de nosso pensamento cartesiano, sempre nos levara a acreditar que o tempo esta aí, mas na verdade o homem é um ser aí, não é o tempo que nos determina, ele é na verdade parte de nós, e existe apenas porque o conhecemos. Além disso, emerge com uma significação diferente para cada sujeito, despertando muitas vezes em um único ser, sentimentos em relação a ele por vezes diversos. Imagino então, quantas formas infinitas existem para se sentir o tempo, visto que ele é parte da subjetividade humana, que é singular.
Mas para falar de tempo em uma reflexão como esta, é preciso ir além, é preciso compreender o conceito de temporalidade, que integra não simplesmente futuro, passado e presente, mas que engloba em si os chamados êxtases: antecipação, sentimento de abandono, e resolução:  unidade em que o tempo se temporaliza. A unidade em que o tempo se temporaliza? Difícil pensar isso: o tempo se temporaliza. Porém, é pelo cuidado desses horizontes temporais que damos conta da existência como uma totalidade. Bem, assim compreendi: O tempo é um desenvolvimento que se faz na relação desses três êxtases (antecipação, sentimento de abando e resolução) e são nessas unidades que entendemos como futuro, passado e presente, que o tempo se temporaliza. O existencialismo explica que o tempo vulgarmente concebido ignora a interpenetração desses três momentos (passado, presente e futuro), concebendo-os como uma sucessão de “agoras”. O tempo não é algo congelado, me parece um fluxo de ir e vir e presentificar-se. É parte do ser, assim como o ser se submete à irreversibilidade do tempo, na melhor das hipóteses imagino eu. Só existe tempo, na medida em que percebemos os objetos ao nosso redor, assim presentificamos o nosso ser-aí.
"Vim do nada, para o nada caminho, mas nesse caminho sou um eterno vir-a-ser".
Flávia Braga.

Como nos enganamos...

Recentemente, li um texto chamado “O caráter humano como mentira vital” e este me deixou extremamente decepcionada e triste comigo mesma, com minha condição de filistinismo, que imagino não diferir muito da condição de tantos outros, já que como o próprio texto coloca é algo da própria condição existencial humana. Mas, paradoxalmente a esse sentimento, me senti aliviada por não ser a única a viver em um mundo criado por mim mesma, por saber que todos nós precisamos limitar nossas experiências, fingir ser o que não somos, justamente por não sabermos a verdade insuportável que a nossa condição nos prediz.
O que me deixou triste, foi saber que todo o esforço que tenho empreendido na busca pela compreensão de quem sou eu, além de não levar muito longe, só vai me fazer modificar a minha forma de sofrimento, a minha angústia. E sinceramente, posso dizer que já passei por renascimentos psicológicos dificílimos, mas sinto que ainda não foram suficientes para me fazer renascer para a condição de simplesmente ser humana.É muito duro ter que atribuir sentido à vida o tempo inteiro, sendo que a questão que me perpassa é: para quê viver se no final das contas a tendência natural de todo ser vivo é a morte.
Pensar que na verdade viver só tem sentido por fingirmos é lamentável, nos faz pensar no quanto somos fracassados até mesmo em mentir para nós mesmos já que fazemos desse lugar que habitamos muito mais um inferno do que um céu com nossas formas ideais de proteção. Nem habilidade para tentar dar um significado melhor do que o material nós temos. Vivemos sempre em busca de coisas que pensamos que serão capazes de nos completar ao passo que não há nada que nos livre de nossa solidão.
Ainda bem que fomos ensinados a mentir para nós mesmos, do contrário, o que seria de nós? Mas que sensação de fracasso ver isso de forma otimista. Que condição miserável a nossa: seres que vivem em um mundo de fantasias e mentiras individuais e coletivas, que não conhecem a si mesmo, nem aos outros, nem o mundo. Mas ao mesmo tempo, que grandiosidade a nossa de sermos capazes de existir sob tais condições, de inventar essa forma ainda que bizarra, de existência.

Flávia Braga.